“Nessa nova geração de Drag, ainda tem pouca Drag Negra”

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  A Sasha La Crey trabalha como Drag Queen há 05 anos. Ela foi inspirada pela série “Ru Paul’s Drag Race”, mas resolveu continuar trabalhando profissionalmente como Drag Queen por se sentir a vontade, e pelo fato de ter pouca Drag Negra e de ter uma condição social diferente de muitas Drags em Porto Alegre, ela se sentiu na obrigação de passar uma mensagem para a sociedade.

Eu venho de uma condição social diferente de muitas Drags da cena. Tipo, eu moro em região metropolitana, venho de transporte coletivo pra cá. Sou pobre, NE? VAMOs falar a verdade, um português bem claro, sou pobre. E aí tipo, lógico que eu não tenho os melhores figurinos, as melhores perucas, isso e aquilo. Na verdade hoje em dia, algumas Drags  seguem muito  padrão estético, ou do Ru Paul ou da Pablo Vittar, e tipo, e se tu não é uma dessas duas coisas, tu é uma terceira coisa. .

  A Aquenda Revista conversou com a Sasha La Crey enquanto ela estava se maquiando no camarim antes de performar no palco do Workroom. Na conversa, ela revelou para nós como é ser uma Drag negra e pobre na cena Drag de Porto Alegre. A Sasha também falou sobre o preconceito que sente sobre a sua condição social, de algumas pessoas confundirem Drag Queen com Transexual, do Mercado de Trabalho em Porto Alegre, de um dos dias mais marcantes da sua vida que foi com as participantes do “Ru Paul’s Drag Race”, também deu conselhos para quem quer ser Drag e muito mais!! Confira a entrevista a seguir:

Aquenda Revista: Porque tu quis ser Drag Queen?

Sasha:  Na verdade, eu não sei. Assim como a maioria do pessoal que começou a fazer Drag há quase 05 anos, a gente começou por causa do Ru Paul, mas eu continuei mesmo não por causa do Ru Paul. E sim, porque eu vi que era um espaço que eu me sentia a vontade, no caso de subir no palco. Nessa nova geração de Drag, ainda tem pouca Drag Negra, e eu achei que eu tinha uma certa obrigação de trabalhar com uma determinada mensagem, e aí o que mais me motivou foi isso.

Aquenda Revista: E qual a mensagem que tu quer passar?

Sasha: Sobre a questão  racial mesmo. De ter a liberdade de entrar em alguns espaços,  tipo Workroom mesmo, que talvez eu não tivesse outras oportunidades se não tivesse fazendo Drag, sabe? Pra contar sobre as pautas raciais, periféricas, de maneira mais específicas assim.

Aquenda Revista:  Você já sofreu algum tipo de preconceito por ser Drag?

Sasha: Acho que sim. Tipo, por exemplo, tem boy que não quer ficar com a gente porque a gente é drag ou coisa assim. Não é uma coisa que me incomoda tanto, porque eu sei, tipo, o problema é dele, não quer ficar comigo e é aquela coisa. Não vou lavar a cara e vou deixar de ser a Drag, sabe? As pessoas não entendem muitas vezes.  Eu fico mais chateado porque quando as pessoas recusam de ficar comigo porque eu faço Drag, elas estão querendo ou não, sendo transfóbicas. Apesar de eu não ser trans porque elas confundem o que é ser Trans, o que é ser Drag, e ficam numa coisa assim sabe, de rejeitar porque não sabe exatamente o que que é.

Aquenda Revista: Eu falei com algumas Drag que me falaram que sentiram mais preconceito no meio Drag do que fora. Você já sentiu algum preconceito no meio Drag?

Sasha: Ah, no meio Drag sim. Iisso eu nem levo mais em conta,  porque eu venho de uma condição social diferente de muitas Drags da cena. Tipo, eu moro em região metropolitana, venho de transporte coletivo pra cá. Sou pobre, né? Vamos falar a verdade, um português bem claro, sou pobre. E aí, tipo, lógico que eu não tenho os melhores figurinos, as melhores perucas, isso e aquilo. Na verdade hoje em dia, algumas Drags  seguem muito  padrão estético, ou do Ru Paul ou da Pablo Vittar, e tipo, e se tu não é uma dessas duas coisas, tu é uma terceira coisa. Geralmente sou chamada de Gloria Groove, e eu fico olhando. Cara, não sou a Gloria Groove. Gloria Groove é ela, maravilhosa, canta, isso e aquilo, e  eu não. E aí, tipo, se tu não segue aquele padrão estético de alguém que elas tem como referência, que tu tem q ter uma lace, figurino, tipo, pra mim não faz falta. Então, tipo, o preconceito que eu sinto mais é mais em questão de classe mesmo, que eu não atinjo um patamar estético que elas esperam do que qualquer coisa assim, mas tipo, também não me incomoda. Aquela coisa, não posso falar palavrão, ah tipo, pau no cu delas, sabe? Eu sei que meu trampo é bom então é isso.

Aquenda Revista:  E o que você acha do mercado de trabalho para Drag Queens aqui em Porto Alegre?

Sasha: Péssimo. Péssimo porque  se a gente for olhar, Drag hoje em dia, Drag hoje em dia no sentido pós Ru Paul, multiplicou muito. Tu chuta uma moita e sai 15, sabe, tipo, não tem festa que nos contratam. São poucas, na verdade nem tem. Casas que contratam show de Drag são  o Workroom e o Vitraux. O Vitraux já faz isso uns 30 e poucos anos, mas que abre as portas pra gente mostrar o trabalho,  não tem festas que contratam.  Tem poucas festas que contratam, mas tipo, é uma ou duas Drags que frequentam, que vão no lugar, frequentam,  não tem um mercado na verdade. Seria um mercado se tivesse muitas opções, se tivessem chamando a gente pra vários eventos, eventos diversificados, não só p fazer festa, para tocar, mas para o  Teatro.  Eu, por exemplo, faço parte de uma companhia de dança, tive sorte porque  eu conhecia as pessoas, mas a gente não vê Drags no teatro aqui em Porto Alegre, a gente não vê Drags fazendo porta de boate, a gente não vê Drag fazendo uma palestra, por exemplo, não com frequência. Ou quando chamam, se bem que no meio acadêmico hoje em dia com corte de verbas e o cacete a quatro, mas pra  nós custa dinheiro. Dependendo da causa, a gente até se doa, a gente vai né, porque  a gente tira um tempão p se montar, pra ir montado e tudo mais, mas a gente se doa assim, acaba não sendo mercado de trabalho porque mercado de trabalho obviamente gira dinheiro, e a gente não recebe tanto dinheiro assim.

Aquenda Revista: E qual conselho você dá pra quem quer ser Drag? Seja como profissão ou como hobby?

Sasha: Pra quem quer ser drag, eu diria, do alto dos meus 4 anos de carreira, que não são  muitos, mas já passei por poucas e boas. Eu diria: pensa 15 vezes. Ai é bonito? É bonito pra caralho. Dói, machuca o pé, machuca o pinto, é cansativo, ouve coisa que tu não quer ouvir. Lógico, tu vai ter muito carinho do público, muito. Assim como tem as pessoas escrotas, o mundo é o mundo, né? As pessoas são escrotas, mas também são maravilhosas. Elas vão te receber bem. E aquela coisa, as primeiras 15, 20 vezes tu vai sair horrorosa, vai sair cagada pra caralho, mas continua indo porque  é bom. Assim, apesar dos pesares, é bom, é divertido. Eu digo: pensa 15 vezes porque é desconfortável, tu vai ter que escolher. Ou tu bebe ou mija, a gente não é Hanna Montana, não dá pra ter o melhor dos dois mundos, mas tipo, tu vai sair cagada, mas sai, tipo, aproveita, se joga, é bom, sabe? E tem um monte de gente, nem vou dizer um monte de bicha, tem um monte de gente que tá em casa com o talento do mundo guardado e não tá podendo, tipo, não tá aproveitando isso, tá desperdiçando, por sei lá, “ah eu tenho medo ser feia”, “ah não sou bonita que nem tu”. Querida, também não era bonita quando comecei, também não sou bonita até hoje. Agora eu sou esforçada, é diferente.

Aquenda Revista: E já aconteceu alguma história marcante contigo nos Bastidores? Tanto no Workroom quanto no Vitraux? Alguma coisa que te marcou, seja boa ou seja ruim?

Sasha: A coisa mais marcante que aconteceu pra mim foi quando, que no Workroom, acho que foi no ano passado, que nós fizemos uma recepção para as  Drag do Ru Paul que vinham pra “Werk The World Tour”,  e eu fui selecionado pra me apresentar pra elas. E eu fiquei, puta que pariu, vai tá Michelle Visage , eu vou performar na frente dela, e como eu falei antes, não tenho os melhores figurinos.  E ainda me mandaram uma música em português, e eu: cara, elas não vão entender nada. Aí beleza, aí eu fiz “Bixa Preta” da Linn da Quebrada, que era um número que eu já tinha pronto, que eu achava que ia comunicar bem sobre o que é a minha drag,  com a minha peruquinha que vou sempre, e com body preto, assim, a coisa mais básica do mundo. E  eu cagadíssima de medo, a Shangela é a minha drag favorita, e aí ela entra. Eu entrei aqui no camarim pra me arrumar e ela entra pra falar com a gente aqui. E eu gelei assim:  cara, a Shangela tá aqui! Quase desmaiei, tive uma crise de ansiedade fortíssima e tal. Fiz o show e prometi pra mim mesmo: não vou falar nada no microfone. Peguei no microfone, puta que pariu, as pessoas viram que eu peguei no microfone, aí eu comecei a militar,  aí militei em inglês ainda pra ajudar, só para passar mais vergonha. Passado isso tudo, a Pepermint me chama, pediu pra tirar uma foto comigo. E eu fiquei: Porque  ela tá pedindo pra tirar uma foto comigo? Eu que tenho que pedir p tirar foto com ela. Ela pediu pra tirar uma foto comigo.  Aí tirou ela, a Shangela e a Kennedy que eram as únicas Drags Negras que estavam ali que vieram do programa aqui para “Werk The World Tour”, e elas pediram pra tirar foto comigo. E eu fiquei: tipo, era pra eu pedir pra tirar foto com elas e tal. E depois, a Michelle Visage veio, me abraçou, apareci nos stories da Michelle Visage, e tipo, elas me deram ingresso pra eu ir no Werk The World Tour no outro dia, porque  tipo, era caro pra caralho. Era no Bourbon Country e eu não tinha condições de pagar, tava quase 200 pila o ingresso, sabe? Quase um salário mínimo né gente? Quem é que tem um salário mínimo pra gastar? Me deram ingresso de Meet & Greet ainda. E eu fiquei,  cara, no outro dia assim, pra mim foi o auge. Eu tenho a foto até hoje, guardo ela como um troféu assim, e depois a gente foi para o  Venezianos. Várias delas conversando, a Shangela podre de bêbada conversando, dando em cima dos boys….a Detox me chamou pra fumar um cigarro comigo, conversamos horrores. Elas são, tipo, bem louconas. Tipo, algumas delas, não vou citar quais que não são, que estavam com uma cara meio de bunda, Violet Chacky (risos), mas elas são muito queridas, as que eu conversei, todas. Foi o auge ter conhecido essas pessoas que eu me espelho e elas terem gostado do meu trabalho.

 

Sasha La Crey com os participantes do “Ru Paul’s Drag Race”

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