The Queens – Bate-Papo com a Drag Ayô

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  The Queens é uma competição de Drag Queens que está acontecendo na Boate Vitraux, em Porto Alegre.  Como nós falamos da outra vez aqui no site, a competição é longa porque tem várias etapas. Em uma das etapas, a drag queen Ayô foi uma das ganhadoras pelos votos dos jurados e já está na semi-final.

Foto: Arquivo Pessoal

Esse é o mais forte da Drag, só tu pode performar essa persona, essa história que vem da criação

  Depois da  apresentação, a Aquenda Revista conversou com a Ayô no camarim. Ela falou como estava se sentindo de ser uma das semi-finalistas da competição, o preconceito de ser uma Drag Negra, preconceito no meio LGBT com as Drag Queens, amor pela arte e muito mais. Confira a entrevista:

Aquenda Revista: O que tu sentiu quando foi uma das vencedoras desta etapa?

Ayô: Amei e fiquei passada. Porque pra mim, hoje foi a noite mais acirrada, mais forte de verdade. A Amy ela tem mais tempo de Drag que eu, ela é uma puta performer, ela tem uma representação muito grande porque é a única mina que tem na competição, sabe? E ela é uma artista muito boa assim. A Savannah é a minha mana, a gente começou no mesmo dia de Drag, que a gente vai fazer 4 anos de Drag, aniversáriozinho de Drag, e a gente tem uma proximidade muito grande, sabe? Ao mesmo tempo que tu tá competindo com drags que são boas, tem uma mana que é do teu convívio, todo dia conversando. Então, assim, foi muito difícil, sabe? Porque são pessoas muito talentosas. A Catarina  também, não sei quanto tempo ela tem, se ela é um pouco mais nova que eu de Drag, mas também ela veio, ela arrasou e foi uma noite muito difícil assim. A gente não sabia realmente quem era o resultado da noite, sabe? Quando eu vi que eu fui votada pelos jurados, bom, eu acho que eu fiz bem. Eu acho que eu fui bem de verdade assim, eu fui escolhida pelos jurados, então…eu não sabia como reagir assim.

Aquenda Revista: E porque tu quis ser Drag ?

Ayô: Putz..por vários motivos. Eu comecei a trabalhar com a arte como Fotógrafo. Eu sou Fotógrafo, só que eu gostava de muitas outras vertentes de artes. Eu gosto de música, gosto de pintura, eu gosto de performance, mas eu não era um bom músico, não me encaixava fazendo música, eu sabia que não era aquilo ali. Tipo, eu tenho músicos na minha família, eu tenho o irmão da minha mãe, meu tio é guitarrista, tocou em uma banda por mais de 20 anos, professor de música, ele da aula de violão e guitarra. Eu tenho primo Baterista, toca baixo. Eu lembro que tinhas fitas da minha família cantando. Então, eu tinha muita música, eu cresci com música na minha família, assim como um estilo de vida, e eu gostava muito disso. Eu me via me relacionando, só que não como músico assim. E quando eu comecei assim, eu fui p faculdade, e comecei a estudar fotografia, e comecei a acompanhar Drag depois de Ru Paul, aí eu comecei a ver: bom, Drag se relaciona com todo tipo de arte. Se relaciona com música, pintura, com performance, com fotografia porque a gente é imagem, então, eu vi. Eu já conhecia Drag desde criança assim, assisti Priscila muito criança ainda, mas nunca me aproximei assim. Foi só depois do reality que eu aproximei com pessoas que acompanhavam na faculdade, e aí que eu fui me interessando a fazer, que eu vi que dentro da Drag eu podia explorar todos os tipos de arte, eu poderia ter todas as vertentes, tudo. Eu poderia estar conectada com todo tipo de arte, e ainda assim, nesse mesmo canal, eu ia poder falar de coisas que eram muito pessoais. Porque no teatro, tu interpreta coisas criadas por outras pessoas, na Drag tu performa a tua essência da tua vida, a persona é tu, tua essência. Então a minha drag é a performance da minha vivência, da minha experiência, das minhas experiências como menino negro, gay, que mora numa periferia. A minha performance é levado pra lá, sabe? Pro palco, e só eu posso fazer essa performance. Esse é o mais forte da Drag, só tu pode performar essa persona, essa história que vem da criação

 Aquenda Revista:. Queria saber se tu já passou por um tipo de preconceito por ser Drag Negro?

Ayô: Fora da família direto. Por exemplo, a gente tava conversando até com o Uber quando a gente veio pra cá. De motorista de uber que aceita corrida, quando chega na nossa cara e vê que é uma Drag Queen,  ir embora…sabe? A gente tá abrindo a porta e eles vão embora porque eles não querem atender a gente, isso é muito comum.  A gente como drag frequenta diferentes lugares pra se produzir, então a gente tá em loja de tecido, loja de maquiagem, lugares que são socialmente construídos pra ser frequentado  por mulher, a gente tá em todos esses lugares. Então, quando eu vou, eu tenho a minha figura do dia a dia que claramente tu vê: é um viadinho que tá andando na rua ali, então isso incomoda muito assim, sabe? Eu estar nesses espaços aí, e das próprias atendentes às vezes não estarem preparadas.  Hoje não é tão diferente assim porque tá se desconstruindo essa ideia de que maquiagem é pra mulher, sabe? Maquiagem é pra todo mundo, pra todo mundo que quiser usar, quem quiser, pegue e vai fazer o que quiser com sua make. É um instrumento de construção também, sabe? Mas eu já sofri…indo pra esse lado, de loja de maquiagem, eu já sofri. É comum, mas eu já sofri uma vez, foi o ato de maior preconceito de racismo escrachado que eu vivi, onde eu fui acusado de roubo na loja que eu comprava frequentemente, onde eu fui pego pelo braço pelo seguranças e fui revistado na frente de toda loja. E ele sem prova nenhuma porque eu tinha recém comprado na loja 200 reais de maquiagem. Se eu podia comprar, porque eu vou roubar? E eu sempre venho batendo assim, falando dessa loja, incentivando a quem é negro a não ir pra essa loja porque eles vão. Isso é comum, eu fui pesquisar e não era a primeira vez e nem a última vez assim, sabe? E eu descobri que por trás de lojas assim, existe uma máfia porque eu fui perseguido por semanas, ameaçado, sabe? De eles não aceitarem o preconceito que existe dentro da própria loja e de fazerem, de tu se sair pelo culpado, sabe? De eles construírem essa história, e em vez de simplesmente pedirem desculpas, eles postarem na página deles uma nota de repúdio em vez de pedir desculpas. Cara, eu sou cliente, cliente. Agora não sou mais, nunca mais pisei na loja. É muito comum isso. Na minha família, eu tenho diferenças familiares com familiares. Preconceito assim, eu já sofri antes de fazer drag, por ser gay. Eu nem escondo, eu tenho um primo que é evangélico e ele tentou me converter no meio do amigo secreto no natal na frente da família inteira. Isso foi 1 mês antes de eu começar a me montar. E aí, meio que, pra tu ver que não tem preconceito na minha família, a resposta que eu tive, porque ele também atacou meu tio que traiu minha dinda, a minha dinda como resposta, me chamou pra fazer show nos 15 anos da minha prima na frente da família toda, e eu fui. Foi como se fosse uma resposta assim, sabe? Tu vai tentar, mas o errado é tu. E vê esse apoio que minha família queria me ver, minha família tava ansiosa.

Aquenda Revista: E tirando esse fato do preconceito nas lojas, tu já sofreu preconceito por ser negro no meio Drag ?

Ayô: Direto. É que assim, diretamente comigo não me lembro se aconteceu, mas acontece. O racismo acontece porque ele é estrutural, ele é da nossa cultura. E se ele tá na nossa sociedade, ele vai refletir em todos os grupos que existem, inclusive na Drag. E com reflexo disso, quem são as drags mais populares que tu vê? São brancas, que usam peruca loira, olhos claros, que elas são fruto daquele ideal daquele padrão do masculino o que é a mulher perfeita. Normalmente as drags mais populares que tu vai vê são essas assim, e são as magras, brancas, altas, que tem a pele pálida, ou que usam cabelos lisos ou loiro, sabe? Elas seguem essa cartilha do que o homem acha o que é a mulher perfeita, e aí tu vê assim, Drags negras, pretas, maravilhosas, que fazem, não pelo esforço, de realmente serem 10 vezes, 5 ou 10 vezes melhores do que muita drag branca que a gente vê na cena não tem a metade do reconhecimento. Então, a gente faz o dobro, o triplo do que muitas, e o reconhecimento não chega nem na metade assim. Então, isso é muito do que vem do reflexo da sociedade, que acaba entrando na nossa comunidade porque a comunidade LGBT é extremamente racista, os gays são muito racistas, e isso chega na cena drag onde a gente vê os espaços, as oportunidades dadas a muito mais pra Drags brancas que são homens cis, brancos, padrões, tanto montada quanto desmontada. Se a drag não é tão boa, tão bonita, e ele é um boy padrão, então ela consegue, ela tem um reconhecimento maior, e isso é muito triste porque a arte acaba ficando de lado assim. A gente acaba perdendo o reconhecimento da arte porque a figura acaba se tornando mais importante. Óbvio que uma montação babado, bem montada é muito bom, sabe? Eu gosto de fazer montações, gosto de ficar bonita, mas isso não é o principal da arte assim, ela é uma representação disso, mas não é isso. Por exemplo, meu medo era esse hoje, de não passar por, sinceramente, perder para drags brancas, por esse simples fato. E não, não vou tirar o mérito disso, sabe? Não vou tirar o mérito de ninguém pela cor da pele que é branca, mas a gente entende que elas já  tem um passo a frente.

  No dia da entrevista, a Ayô concorreu com as Drags Amy Babydoll, Savannah e Catarina. No dia, as ganhadoras da etapa foram a Ayô pelos votos dos jurados, e Catarina pelos votos da porta.  A semi-final do concurso The Queens, na qual Ayô é uma das finalistas, acontecerá no dia 29 de fevereiro, na Boate Vitraux.

2 COMENTÁRIOS

  1. Arrasou! Desculpe-me as demais, mas já estou super torcendo para a Ayô! Eu só acredito que poderiam oferecer uma premiação um pouco maior. Se para as de nós que não somos Drags, já é um custo tremendo e um desafio, além de muito tempo dedicado para nos montarmos, com as Drags, por ser um trabalho de expressão artística, o peso é ainda maior!

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