“O preconceito maior é justamente pelo próprio meio gay”

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   Lear, 25 anos, sempre gostou do mundo feminino. Quando mais novo, foi inspirado no concurso “Bate – Cabelo” no programa da Eliana. Ele queria bater cabelo como os participantes do concurso, e que um dia ia fazer isso sem saber o que era drag.  E em uma apresentação no Teatro, ele fez o papel de uma bruxa usando sapatos de salto alto, vestido  e gostou disso, de fazer essa performance no palco.  A personagem de bruxa caracterizada foi a primeira montação dele.

    Depois ele começou a se montar para ir nas festas temáticas, carnaval, Halloween e toda oportunidade que ele tinha de fazer montação, ele ficava empolgado. A partir dessa empolgação e inspiração, ele ficou com vontade de fazer show. A primeira apresentação como a drag Lorena foi em 2015 na Parada Gay de Pelotas. A partir desse dia, muitas portas se abriram.

   Neste ano de 2021, ele completa 10 anos de drag. Ele já sofreu com deboche por se vestir de drag, inclusive pelo meio gay, mas não se importava porque queria ser um artista realizado. Atualmente ele trabalha como drag de show e também como drag DJ.

“O preconceito maior é justamente pelo próprio meio gay, onde ainda, infelizmente, as tribos são muito fechadas e não aceitam que as diferenças permaneçam unidas.”

  Em meio a pandemia que estamos vivendo, a Aquenda Revista entrevistou a Lore via Whats App. Ela falou sobre porque quis ser drag, preconceito, inspirações, momentos marcantes e muito mais. Confira a entrevista completa:

Foto: Kelly Schmidt

 

Aquenda Revista: Por que você quis ser drag?

Lorena: Lá no início eu nem sabia o que realmente era drag queen. Desde pequeno gostava de trajes e acessórios ditos femininos, com muito brilho, mas sempre com aquele cuidado de que ninguém  pudesse ver porque sabia que de certa forma era “proibido”, já que eu era um menino. Na adolescência comecei a frequentar as paradas da diversidade (que na época era só parada gay) e ficava sempre muito vidrado com todo aquele glamour de homens vestidos de mulher, cabelão, muita cor e saltos altos, era exatamente assim que eu me imaginava ao me olhar no espelho lá na infância ao usar os trajes da minha mãe, escondido. Durante alguns anos as paradas eram eventos no qual eu não perdia por nada, justamente pra não perder aquilo tudo que eu tanto me identificava. Aí começou a paixão. Em 2011 vi a oportunidade de usar toda essa montação no teatro e só em 2015 fiz meu primeiro show, na parada, onde tanto me despertou esse lado.

 

Aquenda Revista: Você já sofreu preconceito por ser drag?

Lorena: O preconceito maior é justamente pelo próprio meio gay, onde ainda, infelizmente, as tribos são muito fechadas e não aceitam que as diferenças permaneçam unidas. Já não basta ser afeminado, agora se vestir de mulher? Era quase uma ofensa, lembro bem de várias vezes chegar em fila de boate montada e escutar várias piadinhas, cochichos, grupos de amigos voltados pra mim com olhar de: o que isso faz aqui e assim? Mas ok, era realmente diferente, pra mim e pra eles, afinal, não tinha viralizado ser drag no Brasil, quem dirá no interior do RS, nem Rupaul tinha o reality ainda se não me engano, mas minha vontade de “me vestir de mulher” era maior que qualquer olho torto pra cima de mim, eu era realizado sendo daquele jeito.

 

Aquenda Revista: Qual a maior diferença entre o Lear e a Lore?

Lorena: Auto-confiança. No momento que Lorena finaliza todo o processo e coloca a peruca, embora tenha pânico do microfone, a transformação de personalidade é muito notável. Ela consegue transmitir e passar mensagens através de uma performance, do que está vestindo ou até mesmo da postura. O Lear não acredita no potencial que tem, mesmo com todas as conquistas que alcançou até hoje, fazendo tudo o que já fez… Lear é um poço de timidez, que embora tenha melhorado muito, tem muito a trabalhar para que isso não seja um problema e possa atrapalhar a vida artística também.

 

Aquenda Revista: Você foi inspirado pelo reality “Ru Paul’s Drag Queen”?

Lorena: Quando era uma criança viada, lembro  de ter um quadro no programa da Eliana chamado “O Maior Bate Cabelo do Brasil”, onde todas as semanas eu esperava ansioso por aquele momento para assistir. Não fazia ideia do que eram aqueles rapazes vestindo todo aquele glamour da época e girando forte, literalmente batendo o cabelo, mas sabia que era algo que me atraía de uma forma tão grande e que de certa forma eu tentava fazer com uma camiseta na cabeça (quem nunca? Kkkk). Foi aí que começou a me surgir a curiosidade de show, porque até então eu só gostava de roupas e sapatos femininos, brincar de boneca etc etc… O boom do Rupaul ainda não tinha virado “modinha”, eu nunca nem tinha ouvido falar do reality.

 

Aquenda Revista: Qual sua maior inspiração como drag?

Lorena: Sem dúvidas, mamãe!!! Tímida, mas quando tem que colocar a cara a tapa pra conquistar o que tanto quer, não pensa 2 vezes, esse sou eu in drag também. Em relação a produção de looks, pesquisa, combinações, tudo é conversado com mamãe antes de tudo, afinal, é ela quem faz acontecer toda a magia na máquina de costura. Sem ela, Lorena com toda a certeza não estaria completando quase 10 anos de montação. Toda vez que penso em desistir ou estou desestimulado ela vem com a famosa frase: “Filho, quem não é visto não é lembrado!!! Não é porque hoje tu não vai fazer show que tu não possa ir de Lorena para prestigiar tua colega, tu é uma vitrine e precisa ser visto, independente de estar ou não em cima do palco.”

 

Aquenda Revista: Qual conselho você dá p quem quer ser Drag? Seja como hobby ou profissão?

Lorena: Se jogar, sem medo do julgamento alheio. Tu fazendo bem ou fazendo mal, vai ter crítica de todos os lados. O meme da Hebe serve como lição pra quem quer começar também: “olhei, gostei, serviu, comprei”. Isso vale para a primeira peruca, primeiro batom, primeiro salto, é o que vai marcar na nossa mente o momento da primeira conquista, o início de tudo. Fazendo com amor e paixão, os hobbies vão automaticamente se transformando em trabalho. Como é delicioso ganhar dinheiro com o suor do nosso trabalho, ainda mais aquele que a gente faz com tanto amor, a arte.

 

Aquenda Revista: Nesses 10 anos, qual foi momento mais marcante?

Lorena:  Lembro como se fosse ontem as minhas primeiras montações, faz parte da minha história, das minhas realizações, eu me sentia tão bem e tão eu, mesmo com todo deboche na minha volta… eu comecei a me montar em um momento em que não era modinha ser drag, e mesmo assim eu nunca me deixei abalar por tanta risada que deram de mim enquanto eu só queria me encontrar como artista realizado. Momentos marcantes: abertura do show da pabllo em Pelotas 2017, 2 shows no Rio de Janeiro (1 deles tive a honra de ter mamãe como companheira, assistindo ao meu show bem na frente do palco junto da galera carioca toda, que emoçãooooo que foi), começar a fazer shows em Porto Alegre mais seguido e nas casas mais babadeiras atualmente (vitraux e workroom), primeiro show em Porto Alegre foi num concurso chamado “Cover Girl” no Beco 203 em outubro de 2016, fazer parte do primeiro trio elétrico LGBTQIA+ do carnaval de Jaguarão como drag DJ em 2020, ser a primeira drag a tocar na formatura de um instituto federal (IFsul Campus Pelotas) 2020, – primeiro show na parada gay de Pelotas 2015, foi a abertura de muitas portas.

Foto: Kelly Schmidt

3 COMENTÁRIOS

  1. Materia incrível, conteudo e entrevistada maravilhosa 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

    A AQUENDA esta cada vez mais encorpada e se tornando referência no meio LGBTQIA+

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